Le tout nouveau testament, de Jaco Van Dormael
No eterno questionamento sobre o sentido da vida, muitos buscam na abstração uma resposta para validar a existência humana. Independente da idealização, a nossa origem se efetiva com a crença em um Criador, que vigia todas as nossas ações e intervém com milagres ou penalidades.  Mas e se Deus fosse também um ser como nós, preso em um cotidiano mundano e autor de “leis” que visam dificultar a nossa estadia no plano material?
Por vezes afeito a narrativas fantasiosas, o belga Jaco Van Dormael transforma o excelente Benoît Poelvoorde no Deus de seu “O Novíssimo Testamento”. Porém, o Criador mais parece o Satanás, seja pela conduta autoritária como chefe de família, seja pela negligência das vidas sobre a Terra.
Cansada de ver Deus vestido com um roupão transitando como um vagabundo pelo apartamento em que vivem, Ea (Pili Groyne), a filha Dele, decide fazer algo a respeito. Invade o computador em que Ele gerencia os humanos, vazando em seus celulares as datas em que morrerão e entrando em suas realidades a partir de um portal em uma máquina de lavar. A intenção é escalar como apóstolos um novo time de indivíduos fracassados ou desorientados.
Há muito de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” nessa busca de Ea, especialmente por encontrar algum encanto em como os seus “súditos” se reinventam com a sua presença divina. Como François (François Damiens), um atirador solitário que se vê apaixonado. Ou Martine (Catherine Deneuve), uma dondoca que logo morrerá revendo o que significa a felicidade ao lado de um gorila.
O Novíssimo Testamento (Le tout nouveau testament)
Tudo (e muito mais) o que julgamos como uma intervenção “lá de cima” se transforma em alívio cômico, como o fato de sempre entrarmos naquela que será a fila mais lenta em um estabelecimento e a lei de Murphy, responsável por fazer uma fatia de pão sempre cair no chão com o lado recheado virado para baixo. São circunstâncias que aumentam o tom de excentricidade de “O Novíssimo Testamento”, acertando ao trazer leveza para algo que poderia ser meramente blasfemo. Lamenta-se somente os floreios do terceiro ato, trazendo inclusive um inconveniente deus ex machina.