O mestre do suspense sempre teve uma visão muito característica e peculiar sobre a sétima arte. Alfred Hitchcock não estava interessado em retratar a realidade em seus filmes. “O drama é a vida sem as partes chatas”, disse uma vez. Então, para ele, não importava se uma ideia era considerada absurda ou impossível de acontecer na vida real.
O que importava, de fato, era se aquilo poderia ser traduzido em uma imagem bela e poderosa, que trouxesse satisfação e entretenimento para quem estivesse assistindo. Um exemplo disso é a vontade, de longa data, que o diretor tinha de encerrar um de seus filmes com uma cena de perseguição ambientada no Monte Rushmore, famoso monumento estadunidense com os rostos de quatro presidentes históricos do país.
Então, em 1959, apenas um ano depois de realizar o filme que, para muitos, é sua obra-prima, Um Corpo que Cai, ele decidiu realizar seu desejo. Pediu ao roteirista Ernest Lehman (A Noviça Rebelde) que escrevesse uma história que culminasse na cena idealizada.
Nascia ali Intriga Internacional (North By Northwest, 1959), uma das peças mais importantes da filmografia do cineasta inglês. A história gira em torno de Roger Thornhill, um publicitário atraente, bem-sucedido e cosmopolita, interpretado pelo grande Cary Grant, em sua última colaboração com Hitchcock.
Thornhill leva uma vida confortável, fútil e vazia, maquiada por termos caros e drinques elegantes. Um dia, durante uma reunião de negócios em um restaurante, ele é confundido com um homem chamado George Kaplan, e é sequestrado por dois misteriosos agentes armados. O protagonista faz diversas perguntas, mas não consegue nenhuma resposta. Chegando ao seu destino, conhece Phillip Vandamm (James Mason), o homem responsável por sua captura. Por mais que Roger tente dizer que não é o tal Kaplan, os homens não dão ouvidos a ele.
Durante a noite, os capangas o embebedam e o fazem dirigir por uma estrada sinuosa e movimentada, esperando que ele dirigisse penhasco abaixo. Thornhill consegue viver, mas é preso por dirigir embriagado. As cenas em que Grant interpreta o personagem bêbado, tentando se explicar aos policiais e até fazendo uma ligação para sua mãe são um show à parte. Após fazer pequenas investigações por conta própria, o publicitário acaba por se envolver em um assassinato em pleno prédio da ONU, e de ser acusado como o assassino por todos os jornais dos EUA.
Portanto, de uma hora para outra, o homem que levava uma vida calma e sem muitas preocupações perde tudo, sendo perseguido tanto pela polícia quanto por homens dos quais ele não sabe nada. Usando seu charme e inteligência, Thornhill consegue sucessivamente escapar de seus perseguidores, e acaba por entrar clandestinamente em um trem para Chicago. Lá, conhece uma misteriosa e linda mulher, cujo nome é Eve Kendall (Eva Marie Saint, de Sindicato dos Ladrões).
A cena em que os dois conversam no restaurante do trem beira a perfeição. Os diálogos inteligentes e sofisticados são realçados pelas brilhantes interpretações dos atores, em um jogo de olhares, sugestões e gestos que Hitchcock costura de tal maneira que parece estar-se assistindo a um tango de palavras, sexy e provocante.
Eve se propõe a ajudar o homem, mas suas intenções não são tão boas, e Roger, por causa dela, acaba parando em uma estrada deserta, completamente sozinho. Durante seis minutos, não há uma frase dita em cena. Mas Hitchcock domina o filme com tanta força que faz desses minutos os mais tensos e dramáticos de Intriga Internacional, culminando na icônica cena da perseguição de um avião ao personagem em um milharal. Difícil de acreditar que isso poderia acontecer de verdade? Mais uma vez, o diretor não liga. O que importa é a imagem e o sentimento que ela transmite ao espectador.
A partir desse momento, o roteiro contém diversas reviravoltas, e verdades são descobertas sobre vários personagens, inclusive Eve. O ponto culminante, enfim, é a perseguição no Monte Rushmore, marcada pela emocionante trilha sonora de Bernard Herrmann, longo colaborador de Hitchcock. O governo dos EUA não autorizou a gravação das cenas no local, então a equipe do filme teve de realizar uma pequena réplica em estúdio do monumento, em um trabalho de direção de arte impecável. O corte final do filme mostra, mais uma vez, o poder de síntese e a habilidade com a qual o diretor transmite seus significados em imagens, mostrando a grande transformação sofrida pelo protagonista durante a história.
Intriga Internacional não é apenas o conjunto de uma grande atuação, direção e roteiro. É uma obra-prima que resume todo o poder do cinema, e entrega tudo o que um filme pode ter: ação, humor, suspense, romance, belas imagens, música inesquecível e um personagem pelo qual se possa torcer e com quem possamos nos identificar. Distingue-se da maioria dos filmes de Hitchcock pela combinação exemplar de drama e comédia, algo que se deve muito a Cary Grant, que tem uma presença tão poderosa em cena, e vive o personagem de forma tão natural que impossibilita o espectador de tirar os olhos dele.
O roteiro de Lehman, carregado de uma história tão intrincada e rica em personagens, é o pano de fundo perfeito para o “Senhor H” desfilar toda sua genialidade e conhecimento. Famoso por ser obcecado pelos aspectos técnicos de seus filmes, Hitchcock, com a ajuda de sua equipe, atingiu um nível de qualidade assustador neste filme, em que se destacam as cenas do avião, do jantar no trem e a cena final, do Monte Rushmore.
Após entregar mais esta maravilha da arte e do entretenimento, o cineasta viria a realizar mais um filme imortal, Psicose, um ano depois, marcando a melhor fase de sua carreira. Aos amantes do cinema, só resta agradecer e aproveitar os filmes deste grande artista, senhor absoluto de seu meio de expressão, e principalmente, de seu gênero favorito.
8.6MUITO BOM
Em um de seus filmes mais famosos, o diretor Alfred Hitchcock produziu uma experiência inesquecível para qualquer amante do cinema, repleta de ação, humor, suspense e romance, junto com algumas das cenas mais lembradas da história.