O amadurecimento como cinéfilo refina o nosso gosto ao ponto de permitir que consigamos identificar de antemão aquilo que definitivamente não agradará o nosso paladar. Isso não significa que determinado segmento de produção com a qual temos reservas não possa apresentar exemplares que nos surpreenda.
Ainda assim, com centenas de produções ofertadas tanto no circuito de cinema quanto no consumo doméstico, o melhor a fazer é ser o mais seletivo possível no momento da escolha do que assistir. A partir desse critério, o ano de 2016 não contou com uma lista de produções ruins tão extensa em comparação com os nossos balanços retroativos. O que não significa que conseguimos evitar a decepção, a expectativa frustrada ou puramente o risco de se ver algo que comporte todos os elementos para nos desagradar.
A seguir, compartilhamos a nossa lista com 10 produções que consideramos as piores que assistimos ao longo de 2016:
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É Apenas o Fim do Mundo (Juste la fin du monde)

#10. É Apenas o Fim do Mundo, de Xavier Dolan +

Xavier Dolan faz algo pior que um teatro filmado. Quase sem pausas para respiros, a sua câmera fica grudada nas faces do elenco durante 90 minutos, como se pretendesse com isso representar a rua sem saída em que está o seu protagonista, captando cada olhar e gota de suor, mas jogando pela lixeira a potencialidade dos intérpretes ao ignorar que uma atuação depende da anatomia em sua totalidade para se comunicar. A pretensão dessa escolha, somada à artificialidade da iluminação do diretor de fotografia André Turpin para reforçar a inconstância do temperamento dos personagens, não condena “É Apenas o Fim do Mundo” somente como o ponto mais embaraçoso da carreira de Dolan, mas também nos faz questionar se George Miller estava sob o efeito colateral de alguma tarja preta ao deliberar com o seu júri os melhores em competição no Festival de Cannes.
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Prova de Coragem filme

#9. Prova de Coragem, de Roberto Gervitz +

“Prova de Coragem” prefere investir em simbolismos que, no fim das contas, não nos leva a lugar algum. Seja a figueira que fascina Adri ao ponto de resgatá-la para ocupar toda a área externa de seu ateliê, seja o montanhismo praticado por Hermano – ou mesmo as suas mãos brutas, uma ligação ao protagonista literário de Daniel Galera -, não consta um elemento puramente cinematográfico que remova “Prova de Coragem” do terreno das trivialidades, sendo prejudicado ainda por uma montagem sem cadência de Manga Campion. Esperava-se mais deste novo regresso de Gervitz ao cinema.
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Demolição (Demolition)

#08. Demolição, de Jean-Marc Vallée

O canadense Jean-Marc Vallée mal tinha curtido o sucesso de “Clube de Compras Dallas” no circuito de premiações e já estava com outros dois projetos engatinhados. No entanto, se fez um filme belíssimo sobre recomeço com “Livre”, “Demolição”, apresentado poucos meses depois, denota uma falta de cuidado assustadora de concepção, como se fosse abraçado sem os tratamentos que qualquer roteiro precisa ser submetido antes de ganhar vida – e olha que ele foi apontado na Blacklist de 2007, que dá luz aos textos “brilhantes” ainda não filmados.
Atravessando uma fase “quero Oscar” em sua carreira, Jake Gyllenhaal transforma Davis no protagonista mais insuportável visto em qualquer outro filme do ano, um sujeito bem-sucedido que reage com indiferença diante da morte de sua esposa após um acidente automobilístico. Certa imaturidade de seus atos o faz se aproximar de Karen (Naomi Watts, grande atriz que anda com o dedo meio podre para escolher projetos), a quem inicialmente conhece a partir de uma ligação telefônica, e o filho dela, Chris (Judah Lewis), adolescente em dúvida sobre a própria orientação sexual.
O problema é que toda a condução atordoante não passa de um mero pretexto para uma revelação final com a missão de dignificar todos os passos de Davis. O resultado obtido é o extremo oposto, pois só passamos a detestá-lo ainda mais. Assim como o filme.
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Paulina (La patota)

#07. Paulina, de Santiago Mitre

Grande parte das mulheres saiu revoltada da sessão de “Paulina”. Também pudera. Não é segredo para ninguém que, na metade da narrativa, a personagem-título interpretada por Dolores Fonzi é estuprada e que, um pouco adiante, pensa em não tomar uma atitude efetiva contra os seus agressores (e alunos). Provocador, o diretor e roteirista Santiago Mitre ainda constrói Fernando (Oscar Martínez), pai de Paulina e juiz influente que acalorará o debate diante de tal postura.
O problema nem vem a ser o fato de nomes masculinos estarem diante de um contexto especialmente delicado para as mulheres, mas sim o de sermos obrigados a tolerar uma personagem que mais funciona como uma tese estúpida sobre o quão cruel é a realidade que a rodeia e o quão se sente culpada por pertencer do lado “favorável” desse cenário. É o equivalente a ter de escutar o lamento de uma vítima esfaqueada em um assalto pedindo perdão ao criminoso por causa do sistema em que estão inseridos.
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Amor em Sampa

#06. Amor em Sampa, de Carlos Alberto Riccelli e Kim Riccelli +

Resolvendo todos os núcleos do modo mais simplório possível, “Amor em Sampa” é também uma prova de que ainda não descobrimos a fórmula para elaborar bons números musicais, com letras que não inserem qualquer camada nos personagens e uma ausência de coreografias e exploração de espaços que só ampliam a apatia. Restou o amor por São Paulo, que termina enclausurado em agências publicitárias e apartamentos no último andar de hotéis de luxo.
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Descompensada (Trainwreck)

#05. Descompensada, de Judd Apatow

Com vasto repertório em stand up comedy, Amy Schumer teve a sua primeira chance de ouro para se transformar em estrela ao ser presenteada com uma atração televisiva só sua, “Inside Amy Schumer”. O sucesso foi estrondoso, especialmente pelos esquetes que viralizaram na internet, e “Descompensada” veio como a tentativa de estender as suas especialidades no cinema.
Mas o roteiro de sua própria autoria não passa de um capricho para exercer o seu narcisismo, por vezes soando autobiográfico para fazer piada de si mesma ao mesmo tempo em que tenta justificar em cena o quão incompreendida é por não corresponder ao modelo de princesinha americana. Os dramas com uma figura paterna (interpretada por Colin Quinn), no entanto, só não são mais embaraçosos do que o humor, no qual Amy luta para se mostrar descolada somente para se sujeitar ao mais machista jogo de reparação, com direito a declaração de amor com figurino de líder de torcida. Mas nada soa mais profano do que transformar a camaleônica Tilda Swinton em uma caricatura grosseira.
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Independence Day - O Ressurgimento (Independence Day - Resurgence)

#04. Independence Day: O Ressurgimento, de Roland Emmerich

Até mesmo os detratores mais ferrenhos do alemão Roland Emmerich devem admitir certo apreço por “Independence Day”, um dos mais memoráveis blockbusters paridos nos anos 1990. Muito mais do que um espetáculo de efeitos visuais ainda hoje impressionantes, a maior atração era como o filme exaltava heróis improváveis, seja o casal interpretado por Will Smith e Vivica A. Fox, seja o presidente nada omisso de Bill Pullman.
Pois tudo isso que tirava o original do terreno da mediocridade é solenemente ignorado em “Independence Day: O Ressurgimento”, agora priorizando um time de jovens atores com carisma zero enquanto reserva aos veteranos que reprisam os seus papéis a responsabilidade de lidar com as burocracias de uma nova ameaça. O choque de núcleos tão destoantes transforma a continuação em um monstro bipolar, alternando humor com densidade sem nenhuma liga. Vale dizer que Emmerich também está prestando contas pelo equivocado “Stonewall: Onde o Orgulho Começou”, outro filme seu a desembarcar no Brasil em 2016.
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Um Cadáver Para Sobreviver (Swiss Army Man)

#03. Um Cadáver Para Sobreviver, de Dan Kwan e Daniel Scheinert

Diretor de “Primavera Maluca”, aquela tipo de comédia que a gente costuma esconder que adora para não fazer feio em uma roda de cinéfilos, Ryan Shiraki disse que é fã de uma piada de peido e que a adicionaria mesmo se fizesse uma continuação de “As Horas”. A dupla de diretores Dan Kwan e Daniel Scheinert certamente levaria bem a sério um comentário como esse, pois “Um Cadáver Para Sobreviver” transforma a piada em uma história com 97 minutos.
A princípio, ninguém entendeu e uma fatia enorme de espectadores abandonou a première em Sundance. No entanto, o tempo fez com que a realização obtivesse uma aura de filme maldito, logo sendo compreendido como um indie fofinho sobre inadequações dentro de uma roupagem absurda. Mas o sentimento mesmo é de que estamos sendo feito de trouxas e nada sintetiza melhor a impressão do que o WTF soltado por Mary Elizabeth Winstead antes do fade out.
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Visões do Passado (Backtrack)

#02. Visões do Passado, de Michael Petroni

Que Adrien Brody mereceu o Oscar de Melhor Ator por “O Pianista” é algo indiscutível. No entanto, não há como não reconhecer a dificuldade que norte-americano está tendo para se manter relevante desde então. Além de não ter funcionado como herói de ação, como visto em “King Kong” e “Predadores”, Brody acabou caindo na obscuridade ao investir em produções independentes com uma seriedade inexistente. Caso de “Visões do Passado”, coprodução entre Austrália, Emirados Árabes e Reino Unido com um mistério óbvio até mesmo para quem não viu mais do que dez thrillers sobrenaturais em toda a vida. E quem ainda aguenta um filme sobre um psicólogo que vem a ser justamente o único a não compreender os próprios mistérios que povoam a sua mente?
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Floresta Maldita (The Forest)

#01. Floresta Maldita, de Jason Zada

Não há lugar mais assustador do que a floresta Aokigahara, sempre lembrado como um dos endereços mais procurados por aqueles que desejam cometer suicídio. Em um curto espaço de tempo, duas produções ocidentais construíram as suas premissas a tendo como cenário principal: “The Sea of Trees” e “Floresta Maldita”. Se o filme de Gus Van Sant é notório por ser o mais vaiado da edição de 2015 do Festival de Cannes, o terror de Jason Zada ocupa o topo de nossa lista de piores.
Em seu primeiro papel como protagonista, a bela Natalie Dormer tem a ingrata função de viver Sara Price, americana preocupada com o sumiço de sua irmã gêmea, que teria viajado ao Japão para tomar uma decisão definitiva para os seus impasses particulares. O mistério não passa de um pretexto para fazer o espectador, assim como a personagem, andar em círculos em uma Aokigahara que se revela nem um pouco amedrontadora, culminando em uma conclusão marcada por uma reviravolta no mínimo risível.