segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Os meninos que enganavam os nazistas



ASSUNTO

Relações familiares, sociais, afetivas, discriminação, intolerância, guerra, aprendizagem.


SINOPSE

Durante um período de ocupação nazista na França, os jovens irmãos judeus Maurice (Batyste Fleurial) e Joseph (Dorian Le Clech) embarcam em uma aventura para escapar dos nazistas. Em meio a invasão e a perseguição, eles se monstram espertos, corajosos e inteligentes em sua escapada, tudo com o objetivo de reunir a família mais uma vez.

TRAILER


O OLHAR DA PSICOLOGIA

Numa época na qual os valores se perdem, quando as crianças não são convidadas a enfrentar seus próprios desafios, sendo protegidas em demasia, o filme se torna necessário. Sim, necessário para reflexão de pais educadores e filhos contemporâneos, tão íntimos dos avanços tecnológicos e ao mesmo tempo, tão distantes das necessidades reais. A trama acompanha a saga de dois irmãos diante dos horrores do Holocausto e da segunda Guerra mundial.  Eles pertencem a uma família feliz, unida, amorosa e judia.  Maurice e Joseph descobrem da pior forma possível como a intolerância pode se tornar uma epidemia. Seus colegas de escola, “contaminados” pelo pensamento nazista anti-semita, passam a hostilizá-los da noite para o dia, apenas por ostentarem a identificação judaica. Eles deixam de ser reconhecidos como pessoas, passam a ostentar um rótulo, que os classifica como algo a ser eliminado. Na mesma velocidade da ocupação nazista, a trajetória de vida deles é radicalmente transformada, o mundo exige novas estratégias. A estrutura familiar fica evidenciada na emergência da situação, quando o pai impõe o limite necessário, mesmo que seja preciso separar, agredir, desconstruir ensinamentos, até mesmo sobre a própria identidade. Eles precisam aprender a mentir para sobreviver. Os meninos aprendem com a experiência, sem o suporte físico dos pais, mas apoiados na estrutura fornecida por aquela família amorosa. É um filme lindo, emocionante, delicado. A urgência, de cada dura experiência, prepara-os para o momento seguinte, tornando-os mais fortes. Não é nada fácil, o que fica evidente na fragilidade das crianças, que podem chorar, chamar pela mãe, quase desistir, entretanto, contam com a sorte em momentos de desesperança. A intolerância e violência retratadas na trama são contrastadas com a reação humanitária de Joseph, diante da reação vingativa dos franceses no fim da guerra. Ele mente, ele surpreende, ele aprendeu com a própria dor a não desejar o mesmo para o outro. Ele aprendeu que a diferença não é justificativa para a violência e que todos são iguais, independente da raça, cor ou crença. Ele nos alerta sobre a necessidade de respeitarmos as diferenças, aceitando múltiplas singularidades do ser. As crianças experimentam situações dolorosas, que os ensinam sobre si mesmos, descortinando o próprio potencial.  
Trata-se de um registro histórico, que ultrapassa universo familiar, pois retrata as angústias de diversas famílias em situações semelhantes. O filme se revela atemporal, quando mostra o sofrimento desmedido ocasionado pela propagação de um pensamento equivocado, intolerante, preconceituoso. A diferença era e continua sendo vista como algo a ser combatido, rechaçado, excluído.  A história pouco ensinou aos seres humanos, pois conforme registrado no filme em relação aos judeus, nós continuamos a buscar em qualquer diferença motivos suficientes para propagação da intolerância e discriminação. Os alvos podem ser por diferença de cor, de pensamento, de gênero, de crença, de classe social e até de saúde mental. A mesma diferença que pode ensinar, ampliando nossa visão de mundo, continua a ser discriminada, “rotulada”, hostilizada. Por outro lado, acompanhar o processo de sofrimento e aprendizagem das crianças nos remete aos valores das gerações contemporâneas, que estão perdendo, não só valores, mas também o contato com as próprias sensações e necessidades. Diante de tanta proteção, seja dos familiares ou das facilidades tecnológicas, como elas poderão aprender sobre si mesmas, sobre a própria capacidade de lidar com os desafios da vida? Aliás, quais têm sido os desafios propostos? Como é que a criança poderá aprender a lidar com os obstáculos da vida e descobrir sobre sua capacidade, se os pais continuarem a proteger, favorecer, solucionar? Como aprender que são capazes de se frustrar, de perder, de errar, e, ainda assim, buscar novas conquistas? Quantos hábitos desnecessários estão se transformando em ‘pseudo necessidades’? Como os pais e educadores podem orientar, estimular e até proteger sem  que a criança se torne insegura, dependente, doente? É preciso que a proteção seja  suporte suficiente para que as crianças façam as próprias conquistas, para que descubram seus limites e potencialidades. É preciso que o “ser” seja mais importante do que o ter, e que aprendam que para ter, precisam buscar, os valores estão diretamente ligados ao processo da conquista. Quanto mais fácil for ganhar, menor será seu valor. Não é preciso tantos desafios como os enfrentados pelos protagonistas da trama, mas é necessário que tal extremo nos ensine algo. Precisamos refletir sobre as diferenças, aceitando-as como possibilidades, orientando nossas crianças para o aprendizado e respeito, sem perder de vista o estímulo a sua autonomia e singularidade. 

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